ARTIGO: Os Impactos do Censo 2022 sobre a Formulação de Políticas Públicas
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Artigo
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Ementa / Resumo:

ARTIGO: Os Impactos do Censo 2022 sobre a Formulação de Políticas Públicas

 

*José Paulo Nardone

Divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, os resultados do Censo 2022 oferecem muito mais do que  um quadro atualizado da sociedade brasileira, proporcionam uma imagem do processo de transição demográfica pelo qual atravessa o Brasil.

Os primeiros resultados dos dados coletados pelo IBGE indicam uma nova realidade populacional no país. Em relação ao último Censo (2010), houve um crescimento de 6,5% no número de habitantes, hoje somos pouco mais de 203 milhões de pessoas, numa taxa de crescimento de 0,52% ao ano, cerca de 4,7 milhões de pessoas a menos do que o projetado pelo próprio IBGE, a menor taxa de crescimento de toda a série histórica, iniciada em 1872 com o primeiro censo demográfico no país.

Esse contingente populacional se distribui em 90,7 milhões de domicílios (um aumento de 34% em relação a 2010), com uma média de 2,79 moradores por residência, inferior ao período anterior que indicava 3,31 de pessoas residentes em cada domicílio.

Registrou-se também uma redução no número de habitantes em quase metade dos mais de 5 mil municípios brasileiros, mais precisamente 2.397 municípios, incluindo nove capitais.

Outro dado importante, 44,8% dos municípios brasileiros possuem menos de 10 mil habitantes, nos quais vivem apenas 6,3% da população, enquanto que 57% dos habitantes se encontram em centros urbanos acima de cem mil pessoas.

Esses números nos permitem inferir algumas tendências do processo demográfico na última década, dentre os quais se destaca a evidente redução da taxa de natalidade a partir da queda de fecundidade. O Brasil se encontra abaixo do nível de reposição populacional, numa clara tendência de envelhecimento da sua população.

Outra mudança aconteceu na estrutura das famílias, somos formados por núcleos familiares menores, em um maior número de lares, compostos por menos pessoas, num rearranjo do modelo, agora com casais com apenas um ou sem filhos, pais e mães solo e assim por diante.

Além de dados acerca do tamanho e da composição das famílias, o levantamento ainda nos oferecerá informações sobre a escolaridade, moradia, trabalho, rendimento, condições do local onde vivem, saneamento e abastecimento de água, coleta de lixo, fornecimento de energia elétrica, condições das vias de circulação; o deslocamento até o trabalho e para estudos, equipamentos com acesso à internet, ente outras. Enfim, informações abrangentes e confiáveis, abarcando as mais diferentes áreas.

Dessa forma, passamos a ter acesso a uma base de dados atualizada e que se mostra fundamental para a formulação e planejamento de políticas públicas, pois auxilia na definição dos públicos alvos, as principais demandas, sua localização e quantificação.

Não apenas isoladamente, mas em conjunto com outros índices e indicadores, os dados do Censo 2022 se apresentam como um instrumento fundamental a subsidiar políticas públicas mais efetivas.

Estes resultados nos permitem melhor definir metas e prioridades, orientando uma adequada alocação de recursos, repercutindo em ganhos de eficiência nos processos de construção e implementação das políticas públicas, além de melhor dimensionar a força de trabalho do serviço público, em tudo contribuindo para uma maior eficácia em seus resultados.

Conhecendo melhor alguns dados como, por exemplo, o atual perfil da população de rua, as insuficiências na formação profissional dos jovens e os níveis de escolaridade, condições inadequadas de moradia, entre outros, os gestores públicos terão a condição de formular projetos, programas e ações, muito mais precisos e efetivos.

O cálculo de doses de vacinas a serem adquiridas depende do conhecimento da distribuição da população em faixas etárias. O prognóstico do processo demográfico poderá nos permitir, por exemplo, projetar se daqui a alguns anos necessitaremos mais de centros especializados no atendimento a pessoas idosas do que de creches, se será necessário contratar mais professores ou cuidadores. O surgimento de carros de aplicativos é uma novidade da última década, inexistente no levantamento anterior e que pode impactar nas estratégias de mobilidade urbana. A oferta de conexão à internet e a ampliação de equipamentos conectados deverá repercutir diretamente no conceito das cidades inteligentes.

Não há dúvidas de que a nova composição populacional por faixas etárias impactará diretamente na questão previdenciária, em quaisquer dos seus regimes. A questão que se coloca a partir deste diagnóstico e dos prognósticos que deverão ser construídos, envolvem quais medidas deverão ser adotadas e a partir de quando tais ações serão implementadas, voltadas a equacionar essa mudança de perfil etário e os desequilíbrios decorrentes.

E apenas mais um impacto a ser registrado nessas breves linhas se relaciona à repercussão sobre as transferências constitucionais da União e dos Estados, mais especificamente o Fundo de Participação dos Municípios – FPM e o Fundo de Participação dos Estados – FPE, que representam a mais significativa fonte de receita dos menores municípios, pois os valores dos repasses são calculados a partir do número de habitantes de cada ente federado. Num contexto de redução populacional, em quase metade dos municípios o volume de recursos repassados encolherá, encurtando o cobertor que financia as ações e políticas públicas. Portanto, inequívoca a relevância de que os gestores tenham conhecimento e noção das repercussões desta nova tendência demográfica a influenciar sobremaneira no custeio das ações públicas.

Enfim, o futuro se constrói a partir das experiências passadas e quanto melhor a base de dados sobre a qual pavimentarmos nossos projetos e ações, melhores serão os resultados obtidos. Diante dessa premissa, não apenas os gestores públicos, mas também dirigentes de organizações da sociedade, corporações privadas e demais atores com poder de influência e decisão, melhor poderão arquitetar suas estratégias de atendimento a exigências de uma população que se movimenta e evolui, transforma-se e, portanto, passa a experimentar novas necessidades e demandas.

Bem conhecer o público-alvo e demais circunstâncias e aspectos que o cercam se trata de um dos pilares para conquistar o sucesso em qualquer empreitada, seja em ações envolvendo o poder público, o mercado corporativo ou outras organizações. 

Neste sentido é inestimável a contribuição da atualização do perfil da sociedade brasileira oferecida pelo Censo 2022 e, mais importante ainda, que os responsáveis pelas decisões dele tomem conhecimento e façam o melhor aproveitamento possível das análises e conclusões decorrentes, sopesando as implicações e seus efeitos futuros.

*José Paulo Nardone é Diretor-Técnico da Unidade Regional do TCESP em Bauru (UR-2), Mestre em Direito do Estado e Professor Universitário.