O novo normativo legal das Licitações e dos Contratos
Tipo:
Artigo
Data de Publicação:
Ementa / Resumo:

O Projeto de Lei 4253/2020 (Lei 14.133/21), vigente a partir de 1º de abril, é o novo normativo legal de Licitações e Contratos, que irá substituir as Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, após o período de transição de dois anos. Durante esses dois anos, estarão vigentes todas as regras atuais, no formato da respectiva legislação, a exemplo dos ritos do pregão. A Lei 14.133/21 revogou, de imediato, somente os artigos 89 a 108 da Lei 8.666/93, passando a valer as alterações promovidas no Código Penal.

A operacionalização desse novo normativo depende de regulamentações pelos poderes competentes e, sem dúvida, do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), quando então a Administração Pública poderá optar por licitar ou contratar diretamente com base na Lei 8.666/93 ou na Lei 14.133/21, mediante a indicação do respectivo normativo no edital/instrução do processo.

Os contratos celebrados sob a égide da Lei nº 8.666/93 continuarão a ser regidos por ela. Dentre as inúmeras novidades, a referida lei obriga a gestão de competências e a segregação de funções, com vistas a assegurar o alinhamento das contratações públicas ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias locais.

Quanto às modalidades licitatórias, a Concorrência foi mantida e será definida em razão do objeto, e não pelo valor, inovando nos critérios de julgamento. Convite e Tomada de Preços deixam de existir e o Pregão, além de ser mantido, torna-se obrigatório para a aquisição de bens e de serviços comuns, em todo o País. Traz como nova modalidade o Diálogo competitivo, de origem europeia, que se constrói por intermédio de três fases; ou seja, a pré-seleção dos licitantes, através da divulgação de edital com prazo de 25 dias úteis para os interessados se manifestarem; o diálogo propriamente dito para a escolha da solução mais adequada; e a fase competitiva entre os licitantes pré-selecionados, com prazo não inferior a 60 dias para esses apresentarem suas propostas para a definição da mais vantajosa. Esse procedimento não requer despesas para a Administração, junto aos pré-selecionados, a qualquer título. Essa modalidade permite que o setor privado contribua para a inovação tecnológica ou técnica, nas impossibilidades de o órgão ou a entidade pública ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado e de elaborar especificações técnicas com precisão suficiente.

O texto também privilegia os regimes de contratação integrada e semi-integrada quando veta os §§ 7º e 8º do artigo 46, que indicavam esses regimes apenas para contratações cuja previsão de despesa fosse superior a R$ 10 milhões.

Ora, muitas obras e serviços não atingem esse valor, notadamente nos municípios. O conceito desses regimes é buscar dos licitantes soluções metodológicas e/ou tecnológicas adequadas a resolver as necessidades da Administração com obrigações de resultados, de redução de custos, de aumento da qualidade, de redução do prazo de execução, de facilidade de manutenção ou operação, de aumento de vida útil, dentre outros parâmetros.

Os limites de dispensa de licitação por valor passam de R$ 33.000,00 para R$ 100.000,00 para obras e serviços de engenharia, e de R$ 17.600,00 para R$ 50.000,00 para compras e serviços, observando as disposições da Lei. É bom lembrar que licitar é a regra. As hipóteses de inexigibilidade incluem a aquisição ou locação de imóvel, a modalidade de credenciamento, serviços de fiscalização, de controle e análises técnicas entre as contratações de prestadores de notória especialização e exigindo ampla divulgação dos valores das contratações de artistas, com vedação a empresário com representação restrita a evento ou local específico. Elenca as infrações sujeitas às sanções administrativas, unifica a suspensão e o impedimento de licitar e contratar (das Leis 8.666/93 e 10.520/02) sob a denominação de impedimento, com efeitos somente no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo sancionador, enquanto os efeitos da declaração de inidoneidade se impõem a todos os entes federativos.

Em consonância com o Decreto nº 8.420/15, as infrações administrativas que também sejam tipificadas como atos lesivos na Lei Anticorrupção devem ser julgadas conjuntamente, nos mesmos autos. A nova lei traz para as contratações públicas o modelo das três linhas de defesa, compostas por: agentes públicos que atuam na estrutura de governança; assessoramento jurídico e controle interno; e órgão central de controle interno da Administração e do Tribunal de Contas.

A inclusão do Tribunal de Contas na terceira linha de defesa, ou seja, em práticas de gestão de riscos e controle preventivo de atos administrativos, não se insere nas atribuições relacionadas no artigo 71 da CF/88, e o próprio modelo se refere à coordenação de responsabilidades dentro da própria instituição, sendo integrado na terceira linha somente pela auditoria interna. Contraria, ainda, a regra constitucional da autonomia e do poder de auto-organização, pois a nova lei impõe medidas e providências específicas a serem adotadas pelas três linhas de defesa conforme a gravidade das impropriedades constatadas e pelos órgãos de controle na fiscalização de licitações e contratos.

O Tribunal de Contas passa a ter prazo para se pronunciar definitivamente sobre irregularidade que tenha dado causa à suspensão cautelar de licitação, em detrimento dos critérios de oportunidade, materialidade, relevância e risco, que serão distintos conforme as peculiaridades regionais e da estrutura interna de cada Corte. Entre os meios alternativos de resolução de controvérsias, a maior novidade é o comitê de resolução de disputas e, quanto ao controle social, a obrigatoriedade de divulgação de aviso público de obra paralisada e o prazo para que a Administração decida sobre reclamações relacionadas a execuções contratuais.

A aplicação da nova lei requer o interesse pelo conhecimento, responsabilidade e aptidão dos envolvidos, vez que o foco é na eficiência e nos resultados com alto grau de tecnicidade. É intitulada de normas gerais, mas é analítica em demasia, descritiva, maximalista, invade muitas esferas, permitindo discricionariedade com responsabilidade. Separar as normas gerais das especiais é regra para que Estados e municípios possam, complementarmente, aprovar seus regulamentos, adequar suas estruturas de TI, quadros de RH e processos de trabalho com segurança. Mais que antes, construir um edital será uma arte. Capacitar é necessário.

* Maira Coutinho Ferreira Giroto é Agente da Fiscalização da Unidade Regional de Ribeirão Preto (UR-06) do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

** Maria das Graças Bigal Barboza da Silva é Agente da Diretoria Geral de Administração (DGA) do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo