*Roberta Ramos Ciabatari 

Miguel é considerado uma criança muito alegre e comunicativa, porém 
desorganizado. Ao ingressar no Ensino Fundamental, aos seis anos de idade 
(no ano de 2015), começa a apresentar dificuldades em acompanhar os 
demais alunos da sala em relação às temáticas. Miguel foi diagnosticado com 
Transtorno de Déficit de Atenção no dia 4 de outubro de 2017, por um 
neurologista, praticamente no final do ano letivo. Começou o tratamento com 
medicamentos e teve acesso a aulas de reforço. Destaca-se que Miguel só 
se apropriou da escrita após o diagnóstico clínico.


O trecho foi extraído de um artigo científico que abordou a vida de uma criança  com Transtorno de Déficit de Atenção, caracterizado por um transtorno do neurodesenvolvimento manifestado na primeira infância. De acordo com os autores, a criança iniciou o processo de alfabetização após o diagnóstico e começo do tratamento [1].

Miguel, ainda que tardiamente, aprendeu a ler e a escrever, porém, essa não é a regra. Muitos passam pelo ensino fundamental com sinais de transtornos de aprendizagem, mas, por não possuírem acesso ao diagnóstico e tratamento, carregam falhas significativas no processo de leitura e escrita por toda uma vida.

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 205 e 206, estabelece que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família, sendo garantida mediante a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), por sua vez, enfatiza a necessidade de um ensino que promova a participação de todos os alunos, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou sensoriais.

A mera existência de leis, contudo, não é suficiente para promover uma inclusão efetiva e transformadora. É necessário ir além do aspecto jurídico e reconhecer a importância de uma abordagem educacional que priorize as crianças com dificuldades de aprendizagem.

Virou lugar-comum dizer que a Educação deve ser uma prioridade dos países [2].

Na realidade brasileira, contudo, a palavra “escola” possui várias conotações. Em um país tão desigual, não diz respeito apenas a ensinar e a aprender. Para muitas crianças, a escola é o local onde se faz a principal (ou a única) refeição do dia. Onde elas são percebidas e tratadas como indivíduos com necessidades e direitos (ou deveriam ser). Esse fato fica mais latente quando se trata de crianças com transtornos do neurodesenvolvimento [3].

O economista James Heckman, laureado com o Prêmio Nobel de Economia, conduziu uma pesquisa que demonstrou o potencial das políticas públicas voltadas para a primeira infância em promover verdadeiras revoluções sociais. De acordo com Heckman, cada dólar investido pelo governo em uma criança na primeira infância resulta em um retorno de aproximadamente sete dólares ao longo de sua vida, até atingir os 50 anos. Esse retorno é atribuído aos benefícios de longo prazo proporcionados pelo investimento em educação, saúde e desenvolvimento socioemocional na fase crucial do desenvolvimento infantil [4].

As pesquisas de Heckman destacaram que investir na primeira infância é o melhor e mais eficiente investimento possível no desenvolvimento humano, com benefícios a longo prazo tanto para as crianças individualmente quanto para a sociedade como um todo. Ao fornecer oportunidades iguais desde o início da vida, é possível reduzir desigualdades, melhorar os resultados educacionais, promover maior empregabilidade e renda futura, além de reduzir problemas sociais, como criminalidade e dependência de assistência social.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, a proteção dos direitos da criança começa a partir do momento do nascimento. Além disso, a Lei nº 13.257/2016 criou o Marco Legal da Primeira Infância que é um conjunto de leis destinadas a garantir os direitos dos indivíduos de 0 a 6 anos de idade e tem como objetivo principal estabelecer uma série de diretrizes e medidas que devem ser adotadas pelos órgãos públicos e pela sociedade em geral para assegurar o pleno exercício dos direitos das crianças nessa fase da vida.

É na primeira infância que podem ocorrer as primeiras manifestações dos transtornos do neurodesenvolvimento, tais como, deficiência intelectual, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade – TDAH, transtorno específico de aprendizagem e transtorno do espectro autista – TEA. Eles manifestam-se tipicamente cedo, normalmente antes da criança entrar na fase escolar, sendo caracterizados por déficits no desenvolvimento, que desencadeiam prejuízos no funcionamento social, pessoal, acadêmico ou profissional [5].

Assim sendo, as políticas públicas direcionadas às pessoas com transtornos de neurodesenvolvimento e as políticas voltadas para a primeira infância estão intrinsecamente relacionadas. É crucial que as ações governamentais direcionadas às crianças considerem a importância da detecção precoce, do diagnóstico, do tratamento e do apoio às famílias de portadores de transtornos.

Essas políticas devem fornecer acesso a profissionais de saúde, terapeutas especializados, programas de intervenção e inclusão escolar, visando o desenvolvimento pleno das crianças portadores das referidas deficiências.

No âmbito Federal, a Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, estabelecendo que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada com deficiência para todos os efeitos legais (art. 1º, §2º). Além disso, a Lei nº 13.146/2015, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, incumbiu ao Poder Público, dentre outros, o aprimoramento dos sistemas educacionais, visando garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena (art. 28, II).

A Lei nº 13.935/2019 estabeleceu que as redes públicas de educação básica devem contar com serviços de psicologia e de serviço social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação por meio de equipes multiprofissionais, as quais devem desenvolver ações para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem.

Por sua vez, a Lei nº 14.254/2021 dispôs sobre o acompanhamento integral para educandos com dislexia, TDAH ou outro transtorno de aprendizagem. e estabeleceu que o poder público deve desenvolver e manter programa de acompanhamento integral para educandos com tais transtornos. Esse programa compreende a identificação precoce do transtorno, o encaminhamento do educando para diagnóstico, o apoio educacional na rede de ensino, bem como o apoio terapêutico especializado na rede de saúde.

No âmbito Estadual, a Lei nº 16.758/2018 instituiu a Política Estadual para a Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA no Estado de São Paulo. Ela assegura a prioridade no atendimento e acesso aos serviços públicos e privados, além de promover ações de conscientização e capacitação relacionadas ao TEA.

Novamente, a mera existência de leis não garante efetivamente o direito das crianças à educação inclusiva. É necessário que essas leis sejam acompanhadas de políticas públicas adequadas e efetivas para promover a inclusão educacional.

Ressalta-se, nesse ponto, que não é apenas responsabilidade de um único setor ou Ente Federativo, mas requer uma abordagem abrangente e colaborativa, envolvendo diferentes áreas governamentais e atores sociais, com a coordenação entre diferentes esferas a fim de criar sinergias e garantir uma abordagem integrada para a inclusão educacional.

Tudo isso inclui, principalmente, o planejamento conjunto. Os órgãos responsáveis pela educação, saúde e assistência social devem trabalhar para desenvolver políticas e programas que atendam às necessidades das crianças de forma abrangente, implicando em uma análise multisetorial das demandas, recursos disponíveis e ações necessárias.

Além disso, é essencial que as políticas multissetoriais sejam monitoradas e avaliadas regularmente para verificar sua efetividade e fazer ajustes quando necessário. O monitoramento e a avaliação permitem identificar desafios, avaliar o impacto das ações realizadas e promover melhorias contínuas.

Nesse contexto, pergunta-se: Qual o Papel do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) no sucesso das Políticas Públicas de Educação Inclusiva?

Fiscalizar e orientar, por meio da atuação preventiva e corretiva e da avaliação de atos e resultados, para que os recursos públicos sejam utilizados de maneira adequada e transparente em benefício da sociedade é a missão do Tribunal de Contas. Para tanto, dentre outros, foi criado em 2015 o Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEG-M) pela Corte de Contas Paulista (TCESP, 2023) que mede a qualidade dos gastos e avalia as políticas e atividades públicas do gestor municipal.

Quanto ao monitoramento das políticas públicas educacionais, ganham relevância as fiscalizações quadrimestrais ou semestrais desenvolvidas pelo TCE-SP. Há alguns anos, os agentes fiscalizadores do Tribunal comparecem aos entes jurisdicionados com maior frequência e não apenas uma vez ao ano. Tal frequência de visitas permite identificar as falhas e provocar soluções dentro do próprio exercício analisado, possibilitando a atuação tempestiva do gestor público na correção das impropriedades.

Além do mais, desde 2008, o TCE-SP tem realizado diversas fiscalizações de natureza operacional abordando programas da Educação Estadual. No âmbito municipal, em 2014, efetuou uma ampla fiscalização envolvendo as redes de ensino de 56 municípios paulistas e, desde então, as fiscalizações direcionadas à área do ensino têm sido periódicas.

Em abril de 2023, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em parceria com a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e com a coordenação técnica do Instituto Rui Barbosa (IRB) realizou a Operação Educação: Fiscalização Ordenada Nacional que objetivou analisar as condições das escolas estaduais e municipais dos 26 Estados do Brasil e do Distrito Federal. Só no Estado de São Paulo foram verificados 197 estabelecimentos municipais e estaduais e, no país, foram alvos da fiscalização 1.082 escolas de 537 cidades de todo o Brasil.

Tudo isso demonstra que a preocupação da Corte de Contas Paulista com as Políticas Públicas Educacionais aumenta ano após ano e, com ela, as técnicas, ferramentas e métodos de fiscalização.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, então, vem desempenhando um papel importante como órgão de controle externo. Por meio de sua atuação, tem analisado o planejamento, monitoramento e avaliação contínuos das políticas públicas, fatores fundamentais para garantir que os objetivos da inclusão educacional sejam alcançados.

*Roberta Ramos Ciabatari é Agente da Fiscalização do TCESP – Unidade Regional de Presidente Prudente – UR-05