* Élida Graziane Pinto

A necessidade de revisão do teto dado pela Emenda nº 95/2016 se tornou o centro do debate no projeto de orçamento para 2021. Se, em 2020, vivemos sob o Orçamento de Guerra, no próximo ano precisaremos pautar políticas públicas seguindo a cautela típica do pós-guerra.

Não é possível voltarmos ao horizonte fiscal de 2019, até porque a insegurança sanitária, social e econômica trazida pela COVID-19 não será eliminada com os fogos de artifício do próximo réveillon.
Um plano bienal de enfrentamento da calamidade pública traria fôlego temporal e racionalidade fiscal para debatermos a necessidade de equalizar a continuidade do custeio da renda básica emergencial em 2021, sem colocarmos em risco outras políticas públicas igualmente relevantes.

Planejar a transição, sobretudo diante da frágil capacidade de arrecadação de todos os entes da Federação, é esforço de justiça fiscal que pode ser feito de forma transparente e equilibrada até para que seja resguardado o custeio dos serviços públicos essenciais.

Se já fomos capazes de rever o teto na EC nº 102/2019 e de adotar prontamente o Orçamento de Guerra por meio da EC nº 106/2020, não podemos interditar reflexão equitativa sobre nossas regras fiscais e, sobretudo, acerca do regime jurídico da nossa dívida pública.

Um bom ponto de partida para isso seria resguardar sustentação dos repasses federativos – na forma do art. 107, §6º, inciso I do ADCT – em patamar suficiente para custear serviços públicos essenciais, caso a estimativa de arrecadação tributária dos diversos entes políticos siga frustrada ao longo de 2021. Os parâmetros estreitos previstos na LC nº 173/2020 poderiam ser revistos, em diálogo com a exceção ao teto já vigente naquele dispositivo acima citado.

Tal medida fixaria o piso de proteção social no federalismo brasileiro para resguardar a continuidade dos serviços públicos. Trata-se de ler o art. 9º da LRF pelo prisma do periculum in mora reverso. Estamos a propor, diante da frustração da arrecadação tributária em qualquer dos entes da Federação ao longo de 2021, que seja vedada redução de custeio que implique risco de descontinuidade em áreas sensíveis como saúde, educação, coleta de lixo, segurança pública etc. Ao invés disso, defendemos financiamento nacional dos serviços públicos inscritos no anexo de despesas não suscetíveis de contingenciamento na LDO de cada ente.

Assim, haveria ampliação qualitativa das transferências obrigatórias para que FPM e FPE passem a se comportar não apenas como mecanismos de repartição de tributos, mas que também equalizem responsabilidades de custeio de despesas nucleares. Aliás, essa é a lógica do FUNDEB renovado pela EC nº 108/2020.

Considerando que somente a União pode emitir moeda e contrair dívida pública, cabe chamá-la, pois, à responsabilidade solidária na consecução dos serviços que amparam direitos fundamentais, mediante revisão do escopo da LC nº 173/2020, para que promova uma excepcional regulamentação do art. 107, §6º, I do ADCT.

Afinal, no suposto confronto entre a Constituição (cujo 32º aniversário será celebrado na próxima segunda-feira) e o orçamento regido pelo teto da EC nº 95, devemos nos lembrar de que o orçamento e o próprio teto só são legítimos em face daquela. Talvez, precisamente por isso, o maior desafio do PLOA/2021 de todos os entes políticos seja responder – de forma desnudada e dramática – qual é a razão de ser do Estado brasileiro.

* Élida Graziane Pinto - Procuradora do MPC-SP junto ao TCESP e Professora da FGV-SP