* José Paulo Nardone 

Ao completar neste mês de abril seu primeiro ano de vigência, a Lei nº 14.133/21, denominada nova Lei de Licitações e Contratos, cuja ‘vacatio legis’ varia de dois a seis anos (este último prazo para municípios com população inferior a 20 mil habitantes), períodos em que compartilha com o ordenamento anterior (leis nº 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11), a aplicação de rotinas de contratação na esfera pública ainda, apresenta muitos desafios para sua efetiva implementação.

Até aqui, este novo regramento não tem sido aplicado por grande parte dos órgãos públicos, especialmente nos pequenos municípios, notadamente por conta da fragilidade de sua estrutura de contratações.

Em que pesem as dificuldades em sua implementação, o fato é que a nova legislação tem a seu favor inúmeros atributos que favorecem a dinamicidade de procedimentos, muitos deles compilados dos diversos regramentos anteriores e que fazem por merecer o investimento para dela se inteirar e aplicar seus dispositivos.

A começar pela simples comparação com o ordenamento anterior, representado especialmente pela Lei nº 8666/93, a qual fora concebida num contexto antecedido por inúmeros escândalos de corrupção e que contribuiu para direcionar a adoção de uma concepção de limitação da discricionariedade do gestor, reduzindo suas escolhas e impondo-lhe rigorosos ritos burocráticos a dificultar flexibilidades na busca pela melhor proposta.

Além disso, a nova legislação apresenta como pano de fundo a busca pela modernização do sistema de contratação pública, que pode ser estampada pela virtualização do processo, que passa a ser conduzido preferencialmente por meios eletrônicos, enquanto a forma presencial se torna exceção.

Acrescente-se a isso a possibilidade de se exigir seguro-garantia para obras e serviços de engenharia como garantia contratual no caso de inadimplência do contratado, mecanismo pelo qual a seguradora deverá concluir a obra e que certamente poderá reduzir significativamente a ocorrência das paralisações de empreendimentos, mazela que simboliza e personifica a ineficiência da gestão estatal no nosso país, representando uma tentativa de sanar tal estigma da gestão pública, tida em muitos casos como incapaz sequer de concluir aquilo que iniciou.

Outros aspectos que são capazes de demonstrar vantagens na adoção do novo ordenamento, referem-se à ampliação da vigência dos contratos, a qual, vinculada à disponibilidade orçamentária, a contratação de serviços e fornecimentos contínuos passam a ter duração de até cinco anos, prorrogáveis por mais cinco. Também a elevação dos limites para dispensas de serviços e compras (até 50 mil reais) e de obras e serviços de engenharia, além de serviços de manutenção de veículos (até 100 mil reais), em muito poderá contribuir para a dinamicidade de tais contratações, sem perder de vista a observância dos mecanismos estabelecidos.

Tal qual no pregão de que cuida a Lei nº 10.520/02, a inversão de fases passa a ser definida como regra e não mais exceção, passando a exigir habilitação apenas dos vencedores, e se mostra como outro bom preceito mantido pela nova legislação.

Além deste repertório de medidas positivas encampadas pela nova lei, podemos relacionar o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), que não se trata de modalidade licitatória, mas como o próprio nome diz, um procedimento, que antecede a licitação e a nova modalidade licitatória denominada Diálogo Competitivo, ambos se apresentando como medida a solucionar situações nas quais é reconhecida a insuficiência da administração pública em definir o que deseja contratar na busca de soluções para suas necessidades.

Nestes procedimentos, o poder público contratante não tem conhecimento das melhores soluções existentes no mercado e por isso mesmo abre diálogo com interessados buscando identificar a(s) melhor(es) alternativa(s), inclusive customizando-a(s) para melhor atender suas necessidades.

Para finalizar, estampada está a necessidade de profissionalização dos agentes públicos responsáveis pelas contratações, personificados na figura do Agente de Contratação, mais uma medida em busca de uma gestão de competência, por meio da compatibilidade das atribuições do cargo, da formação do profissional, a segregação de funções e também pela certificação profissional, aspecto que certamente muito valorizará a atuação e importância das Escolas de Governo, que deverão assumir fundamental papel na concessão de tais certificações.

Aliás, nesta linha de atuação, o TCESP, por meio da sua Escola de Contas Públicas, vem cumprindo o seu papel orientador, oferecendo inúmeros cursos e atividades internos e externos voltados à difusão da Lei nº 14.133/21, numa atividade pedagógica adotada em seu planejamento estratégico e presente na sua missão institucional.

Enfim, conhecer e apropriar-se de tantas possibilidades oferecidas por este novo regramento é uma indispensável tarefa dos gestores públicos. 

Não é segredo que a área de contratações públicas se mostra pouco privilegiada pelos tomadores de decisões, relegando-a a um segundo plano, uma área-meio, destinada apenas a executar e operacionalizar procedimentos burocráticos, quando, na verdade, comprar bem ou contratar bem é a origem de bons resultados, tanto na iniciativa privada quanto na esfera pública.

Pagar um preço justo, receber, no prazo mais curto, produtos e serviços de qualidade, são alguns resultados que podem representar o caminho para o sucesso de uma política pública e viabilizar ‘entregas’.

Enfim, mais do que tratar de aspectos técnicos dessa nova legislação, a pretensão deste artigo é chamar a atenção dos gestores públicos e alertá-los para a necessidade de se tratar as contratações públicas num patamar de ações estratégicas e não numa esfera apenas operacional ou mesmo no plano tático. 

É importante investir nesta área, que se mostra como uma atividade de fundamental importância para o sucesso ou fracasso da gestão, no ganho de eficiência, obtenção de bons resultados e atingimento da necessária efetividade das políticas públicas.

Quanto antes trilharmos os novos caminhos oferecidos pela recente legislação, mais cedo enfrentaremos seus obstáculos e encontraremos as soluções que servirão a aperfeiçoar o sistema de compras e contratações públicas, cuja necessidade de aprimoramento é indiscutível e urgente, devendo se refletir positivamente na atuação do aparelho estatal, na avaliação dos seus gestores e consequentemente na qualidade de vida dos cidadãos mais carentes – justamente a classe que mais necessita, depende e faz uso das políticas públicas levadas a efeito no nosso país.

*  José Paulo Nardone é Diretor-Técnico da Unidade Regional do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) em Bauru (UR-02), Professor universitário e Mestre em Direito do Estado