*José Paulo Nardone

Na concepção clássica da Ciência da Administração, o controle é considerado uma das funções essenciais, para muito além de um caráter coercitivo ou restritivo, mas numa condição que por seu intermédio se viabilize a possibilidade de avaliação do desempenho da instituição submetida a tal verificação.

Segundo Peter Drucker, “o que pode ser medido, pode ser melhorado”. Esta linha de entendimento lecionada pelo “Pai da Administração” nos conduz a concluir que a adoção de um processo de avaliação é o caminho mais seguro a possibilitar o ganho de qualidade em qualquer empreendimento e, assim sendo, o exercício do controle é o instrumento a assegurar que os resultados previstos sejam atingidos da maneira mais eficiente possível.

Diante disso, o controle é considerado uma das ferramentas fundamentais e necessárias a construir o caminho do sucesso, conclusão que deve ser transportada para os atos de gestão pública, como medida necessária e fundamental à obtenção e bons resultados. Na arquitetura institucional do sistema democrático vigente no nosso país, a existência e atuação de instituições públicas de controle horizontal é uma premissa posta, estabelecida e respeitada.

Vejamos as diferentes vertentes que o exercício do controle junto à administração pública pode nos oferecer, a partir de casos concretos, vivenciados pela fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo - TCESP, levada a efeito junto a pequenos municípios paulistas. 

Primeiro caso: embora recentemente tivesse sido inaugurada a estação rodoviária local, as pessoas não a utilizavam, os munícipes continuavam a tomar os ônibus intermunicipais ao longo das ruas centrais da cidade, motivo pelo qual os boxes comerciais não haviam sido comercializados por falta de interessados. Isso tudo porque a obra fora construída distante (para os padrões locais), da região central. 

Outra situação, agora envolvendo a construção de uma creche, cujos recursos obtidos junto a União permitiram a outro município a sua contratação, sendo que após o recebimento da obra, constatamos que a mesma também permaneceu sem qualquer utilização (embora com custos de conservação), haja vista que aquela localidade simplesmente não apresentava demanda por vagas em creche que justificasse tal investimento, bem como a prefeitura não se encontrava em condições de ampliar seus gastos com pessoal, dados os limites estabelecidos por lei, impedindo a contratação de profissionais necessários a iniciar suas atividades. 

Em ambas as contratações e obras, analisadas unicamente sob as lentes da conformidade, nada de irregular fora identificado, embora tais empreendimentos não tenham se prestado a servir à sua destinação inicial.
Esses “cases” se prestam a demonstrar que, por vezes, não basta uma análise adstrita apenas à conformidade da ação governamental. Essa análise pode atestar a regularidade, a economicidade ou até mesmo a boa qualidade numa contratação, mas se limitada apenas a esta dimensão de verificação, não se permitirá avaliar o seu impacto junto à população, isto é, a efetividade daquela ação.

Portanto, mostra-se evidente a necessidade de uma ampliação no escopo do trabalho de avaliação das ações governamentais pelos órgãos de controle externo, a fim de não chancelarem como regulares situações que não tenham cumprido com o objetivo de solucionar problemas e necessidades sociais.

Nesse contexto, devemos refletir sobre de que forma os órgãos de controle melhor responderão ao seu “poder-dever” de realizar o acompanhamento das ações públicas, não apenas avaliando aspectos de conformidade legal, no que se poderia denominar de “ranço positivista”, mas indo além, complementando a avaliação de conformidade para analisar também os resultados alcançados, se produziram impactos sociais e em caso afirmativo, quais foram e se satisfizeram os anseios e objetivos estabelecidos.

Sem dúvida, o melhor caminho para bem se avaliar os resultados de ações governamentais é a verificação das políticas públicas, as quais se oferecem como as “entregas”, respostas proporcionadas pelo poder público às demandas sociais, considerando seus componentes, programas, projetos e ações do estado.

 No contexto de prevalência do enfoque gerencial de administração (inclusive na área pública), no qual a ênfase nos resultados é um dos seus pressupostos, a avaliação das políticas públicas assume ainda maior relevância, motivo pelo qual, a ampliação do escopo de atuação dos órgãos de controle externo, representada pela adoção de uma política institucional de avaliação de políticas públicas, mostra-se imprescindível e inadiável.

Não se olvide em admitir que tal atuação deva ser adotada sobremaneira no nível municipal, haja vista que com recorrentes momentos de crise econômico-social e a consequente escassez de recursos, aos municípios foram transferidas inúmeras responsabilidades na implementação de políticas públicas, as quais devem ser conduzidas com eficiência e economicidade, buscando fazer mais com menos, maximizando os resultados obtidos em busca da satisfação do cidadão-cliente.

Fato que corrobora a circunstância do insucesso na implementação de políticas públicas no nosso país é o resultado de recente estudo realizado pela ONU, no qual o Brasil ocupa a 7ª pior posição em termos de desigualdades sociais, numa tendência regressiva, demonstrando incontestavelmente que as políticas públicas não têm alcançado os resultados esperados pela sociedade brasileira.

Os esforços para se atingir tais expectativas são de responsabilidade tanto dos atores públicos, quanto da sociedade como um todo. Nesse aspecto, pesquisas técnico-acadêmicas indicam que os órgãos de controle estão entre aqueles que mais contribuem com a elevação da qualidade de atuação do estado, inclusive na concretização das políticas públicas, especialmente a partir dos resultados das auditorias, fiscalizações e emissão de recomendações.

Esse reconhecimento da sua contribuição aumenta a partir da adoção de uma ação sistêmica de apreciação dos efeitos reais das ações governamentais, atribuindo valor aos resultados obtidos e diagnosticando o processo de construção das políticas públicas. Nesse espectro, os órgãos de controle passam a contribuir concretamente com o ganho de eficiência na utilização dos recursos, de eficácia no atingimento de metas e resultados, mas, sobretudo, de efetividade ao mensurar os impactos provocados no seio da comunidade, refletindo na melhoria das condições de vida da população e por isso alcançando ainda maior relevância social e institucional.

Nessa linha de conduta, o TCESP tem definido expressamente em sua missão institucional a “avaliação dos resultados auferidos pelo poder público”, e busca analisá-los no contexto da sua diversidade de ações, quer sejam as fiscalizações ordinárias, realizadas regularmente e de alargada abrangência e alcance; quer sejam nas fiscalizações ordenadas, aplicadas em temáticas específicas; no acompanhamento das execuções contratuais selecionadas, ou ainda na construção de índices de desempenho, como é o caso do Índice de Efetividade da Gestão Municipal - IEGM, que se presta, dentre outros benefícios, a auxiliar na medição dos resultados das ações perpetradas (ou não) pelos municípios paulistas.

A velocidade das mudanças sociais e do próprio aparelho estatal tem exigido uma enorme dinamicidade e evolução das ações de controle, o que em grande parte tem sido possível graças à disponibilização de recursos tecnológicos e de inteligência artificial, bem como pelo preparo e capacitação do seu corpo técnico.

Essa dinamicidade pode ser constatada também na periodicidade com a qual as ações de controle são aplicadas pelo TCESP, cada vez mais buscando concomitância com a implementação das políticas públicas, partindo do princípio de que o monitoramento, acompanhamento e avaliação contemporâneos propiciam a chance de correção de equívocos, de ajustes e calibragem de medidas com vistas a corrigir rumos, atuando preventiva e inteligentemente, evitando erros, reduzindo prejuízos e melhorando resultados. Seria “a biópsia ao invés da autópsia”, a prevenção antes da simples constatação de efeitos que não possam ser alterados ou melhorados.

Exemplos de ações já adotadas pelo TCESP não faltam, como aquelas em que mesmo após constatado o cumprimento da aplicação mínima na educação, ainda assim avançamos na avaliação da qualidade desses dispêndios, verificando os valores gastos com a educação em cotejo com os resultados dos níveis de aprendizagem, o que nos permite apurar que municípios por vezes gastam muito, tanto em números totais, quanto per capta por aluno matriculado e ainda assim são apurados resultados abaixo do projetado no nível de aprendizagem, inclusive comparando sua (in)evolução ao longo dos anos, demonstrando que o problema não é o volume de recursos disponíveis, mas a qualidade da sua gestão. Aqui, o exercício do controle apurou, sem meias-palavras, o fracasso das políticas públicas na área da educação nessas localidades.

Em outra atuação, naquelas cidades que se caracterizam por elevados índices de gravidez na adolescência, circunstância que consigo carrega toda sorte de consequências nefastas e custosas, apuramos que normalmente esses municípios não investem em medidas de prevenção, de educação sexual, orientação e distribuição de contraceptivos, atendimento pré-natal entre outros. É a exata “radiografia” que demonstra a inexistência ou insuficiência de políticas públicas gerando ou agravando um problema social trágico, que certamente poderia ser reduzido ou mesmo eliminado, caso ações e programas governamentais preventivos tivessem sido adotados, demonstrado outro insucesso na atuação estatal.

 Ainda um último exemplo são as ações que deveriam ser levadas a efeito naqueles municípios em que a distribuição de sua população por faixas etárias apresenta significativa e crescente participação do segmento de pessoas idosas, mas que não são atendidas devidamente, simplesmente sonegando a oferta de políticas públicas adequadas e de qualidade. Em alguns deles até identificamos algumas iniciativas, como a existência dos Centros de Convivência do Idoso - CCIs, embora infelizmente, nem todos contemplem ações, programações, atendimentos ou quaisquer atividades voltadas à satisfação das necessidades deste público.

Enfim, conforme indicado pelos estudos e pesquisas já mencionados, na medida em que o controle externo atua, o poder público se ajusta e a sociedade se beneficia da elevação da qualidade das entregas do estado.

Portanto, se cada um dos atores envolvidos tomar consciência da importância desta atuação, certamente em um tempo muito menor do que se imagina, teremos avançado a passos largos rumo a uma sociedade mais justa e equilibrada, com distribuição de oportunidades a todos e perspectivas de um futuro onde a qualidade de vida passe a ser um direito exercido e usufruído pela maior parcela possível da nossa sociedade.

Nessa marcha, todos nós que de alguma forma atuamos em busca desses objetivos, certamente teremos a consciência da nossa efetiva colaboração e de que o nosso trabalho, pode e deve decididamente fazer a diferença na vida de outras pessoas; que possa ser conduzido de forma a contribuir com esse processo de evolução, tão urgente e necessário para que o nosso futuro como sociedade seja mais justo, digno e promissor.

* José Paulo Nardone é Diretor Regional da Unidade Regional do TCESP em Bauru, Mestre em Direito do Estado e Professor Universitário.