* Thiago Pinheiro Lima 
 

A indústria cinematográfica aprecia a narrativa de histórias em três partes. O vocábulo trilogia remonta à Grécia Antiga e era usado para designar poemas dramáticos compostos de três tragédias.

Já a tragédia fiscal brasileira tem nota única e sequencial. São anos de expansão do gasto público primário para beneficiar interesses de grupos específicos. No passado, o resultado foi uma inflação descontrolada, com perda de referência de preços relativos e empobrecimento coletivo.

Após a estabilização da moeda, a Lei de Responsabilidade Fiscal representou o primeiro instrumento para conter a ilusão do gestor público de que dinheiro é um bem infinito, podendo ser produzido ilimitadamente pela Casa da Moeda.

É evidente que a criatividade brasileira foi aos poucos implementando arranjos para burlar as normas fiscais. 

E, em razão disso, foi criado o segundo instrumento, um teto de gastos que limita as despesas primárias pelos 20 anos seguintes, como medida imprescindível para o controle do crescimento da dívida pública. A Holanda, a Suécia, a Finlândia e a Dinamarca são exemplos de países bem-sucedidos com a adoção de mecanismo semelhante, ainda que em formatos diferentes.

Esse ato de austeridade denota compromisso do Estado brasileiro com o equilíbrio fiscal e sinaliza respeito às gerações futuras, diante do pressuposto lógico de que não se pode gastar mais do que se ganha.

A principal crítica ao teto de gastos é de que os direitos fundamentais, em especial de acesso à saúde e à educação, estariam comprometidos e que haveria espaço na economia para financiá-los com a produção de moeda. 

Ocorre que a expansão da base monetária cria pressão inflacionária capaz de gerar um cenário de descontrole de preços, consoante experiência empírica nacional. Portanto, a alternativa racional é a aprovação do Projeto de Lei de Complementar nº 504/2018, que impõe a elaboração de plano de revisão periódica do gasto público, já acolhido no Senado Federal e atualmente em discussão na Câmara dos Deputados.

O aumento do endividamento decorrente da grave crise financeira global de 2008 pressionou os países desenvolvidos a criar métodos permanentes de revisão dos gastos públicos. Até 2018, 27 dos 37 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adotaram técnicas de revisão de gastos.

Essa verificação consiste em mecanismos transparentes de análise da qualidade das políticas públicas, das despesas correntes e das renúncias fiscais, sendo estas, superiores a 300 bilhões de reais em 2019, somente no âmbito da União.

Qualquer empresa para ser sustentável e produtiva precisa aferir a relação custo versus benefício em suas escolhas. Por que seria diferente com o poder público?

Impor indicadores de desempenho, melhorar a gestão de recursos humanos e extinguir estruturas desnecessárias ou improdutivas são medidas para concretizar o princípio constitucional da eficiência. 
A avaliação de resultados, com escolhas inteligentes, passará a ser obrigação legal. O que falta é gestão, não dinheiro.

O plano de revisão de gastos é o desfecho normativo do concerto de três partes iniciado com a Lei de Responsabilidade Fiscal e que prosseguiu com a regra do teto de gastos. A abertura de espaço orçamentário dele decorrente viabilizará o desenvolvimento e a redução das desigualdades. 

Os direitos sociais estariam fragilizados se o país optasse pelo caminho fácil de emissão de moeda para custear suas despesas. Infelizmente, o ser humano tem o hábito de ignorar o passado, porém, a experiência dos anos 1980 deveria ser a lição de que não é prudente que se tome o mesmo caminho esperando resultados diferentes.

* Thiago Pinheiro Lima é Procurador-Geral do Ministério Público de Contas (MPC) junto ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)